ARTISTAS
Sara Leme
PORTUGAL
After Hours abre espaço a uma reflexão sobre a consciência da própria morte. É um estudo sobre o conceito de perda e luto nas suas
materializações sociais e antropológicas, onde questiono a importância de objectos de memória provenientes do corpo humano como materializações da catarse. Numa era digital e secularizada, como lidamos e experienciamos
fisicamente um corpo morto?
Nas nossas sociedades contemporâneas estamos alienados da morte e do corpo morto. Utilizamos o corpo como material no processo de luto, mas em contrapartida distanciamos a veracidade do cadáver.
Paralelamente à ‘vida’ que oferecemos nos rituais de memória que cumprimos, os mortos ‘vivem’ o seu processo de decomposição. Ou seja,enquanto passamos por um ritual de luto e transformação, também os mortos sofrem uma transformação. Pensar na decomposição do corpo é, para mim,um ritual de renascimento, uma forma de aceitar o facto de que nos tornamos em algo novo, e um convite a decidir que forma é que essa decomposição poderá ter. Surge, deste modo, uma colecção de jóias de auto-luto, como "memento mori" do século XXI, feitas à medida do corpo humano, que
espelham o corpo morto e celebram a nossa decomposição. O objectivo é afastar a imagem mórbida que temos da morte, e trazer ao de cima uma realidade crua mas positiva desta "dance macabre". Acredito que ao pensarmos sobre a nossa morte como um processo de catarse invertida,podemos enfrentar a morte de alguém de uma maneira mais construtiva.
Baseio-me na ideia de reflexo entre o corpo vivo e o corpo morto,combinando a função da jóia de acordo com o que ela representa
visualmente. O resultado é que não só são peças de joalharia, mas são também máscaras (fúnebres) que projectam momentos do corpo deformado,e que em alguns casos constroem uma ‘ponte’ com o afecto que temos para com um corpo e a sua perda.